A exposição tem como origem a criação de peças em bronze que depois de serem cortadas foram utilizadas como geradoras de uma outra realidade. Do corte de cada peça, resultam duas formas irregulares, ovoides, simétricas, planas, posteriormente transformadas em carimbo direto quando se usa a tinta como meio de registo. Quando o meio de registo é a grafite ou o carvão a matriz funciona com relevo frottage, não entrando assim em contacto com o meio riscador. A Mater, matriz, transmite a sua forma à folha branca de papel, e a forma assim gerada, dá a reconhecer a sua origem.
Julho de 2021
Instalação Seedland: Objetos em bronze polido e pintado, dimensões variáveis | Desenhos: Pigmento e goma arábica sobre papel
Sementes Objetos em bronze
Sementes Objetos em bronze
Pigmento e goma arábica sobre papel 32 x 25 cm
Pigmento e goma arábica sobre papel 32 x 25 c
Pigmento e goma arábica sobre papel 32 x 25 cm
Pigmento e goma arábica sobre papel 32 x 25 cm
Na exposição Seedland da artista plástica Isabel Garcia, o desenho e a escultura
completam-se e não competem entre si. Esta cumplicidade enriquece a exposição,
onde a autonomia própria de cada domínio artístico é um exercício à nossa
sensibilidade e à mediação da metodologia que transpõe cada área até aos seus
limites, legitimando assim a estrutura da exposição.
O experimentalismo implementado pela artista na execução da exposição transporta-nos para o tempo da investigação realizada no antigo Laboratório de Química Analítica.
Não obstante estes trabalhos serem artísticos e fruto da acção poética da artista com
todos os desafios que a experiência acarreta dentro de um determinado espaço e
tempo. “Mesmo na reprodução mais perfeita falta uma coisa: o aqui e agora da obra
de arte – a sua existência única no lugar em que se encontra. É, todavia, nessa
existência única, e apenas aí, que se cumpre a história à qual, no decurso da sua
existência, ela esteve submetida. (…) O aqui e o agora do original constitui o conceito
da sua autenticidade.”* As esculturas são feitas em bronze e os pigmentos que as
revestem são misturados com goma-laca e com outras substancias. Depois de
cortadas ao meio e separadas em duas partes, a secção torna-se matriz. O seu fruto
são as sementes.
A exposição Seedland fala-nos da comunhão, da soma, da multiplicação da divisão, da
separação. Isabel Garcia ao dividir as matrizes evoca a dualidade; por um lado gera as
sementes por outro promove a separação. “Então soube que estava esgotada e pela
primeira vez sofreu porque realmente dividira-se em duas, uma parte diante da outra,
vigiando-a, desejando coisas que esta não podia mais dar. Na verdade, ela sempre fora
duas, a que sabia ligeiramente que era e a que era mesmo, profundamente. Apenas
até então as duas trabalhavam em conjunto e se confundiam. Agora a que sabia que
era trabalhava sozinha, o que significava que aquela mulher estava sendo infeliz e
inteligente. Tentou num último esforço inventar alguma coisa, um pensamento, que a
distraísse. Inútil. Ela só sabia viver.”** A Isabel Garcia, dividida entre duas expressões
artísticas, a escultura e o desenho, entre a soma e a divisão, vai separando e
multiplicando, criando assim as matrizes geradoras das sementes e dos desenhos.
Os desenhos da exposição são executados de duas formas: ou são resultantes do
registo directo da matriz que deixa a sua marca, a sua presença no papel, ou são feitos
com uma técnica de impacto, onde a matriz é atirada com alguma violência sobre o
papel. Ambos são gerados pelas matrizes. Citando a artista Seedland tem como
origem a criação de peças em bronze que depois de serem cortadas foram utilizadas
como geradoras de uma outra realidade. Do corte de cada peça, resultam duas formas
irregulares, ovoides, simétricas, planas, posteriormente transformadas em carimbo
directo quando se usa a tinta como meio de registo. Quando utilizo a grafite ou o
carvão, a matriz funciona como relevo de frottage, não entrando assim em contacto
com o meio riscador.” Ao reflectirmos sobre este método criativo, interpretamos este
processo como uma ampliação da identidade da Isabel Garcia na sua criação plástica.
A partir dos conhecimentos específicos e da sensibilidade da artista é possível
estabelecer-se uma relação entre as várias formas de expressão plástica que
convergem na mesma direção nesta exposição, a criação da matriz como mãe, a Mater
que transmite a sua forma à folha branca de papel, dando a reconhecer a sua origem
que pode ser geradora de outras coisas semelhantes ou não. “E as coisas renascem
sobre o papel, naturais e mais que naturais, belas e mais que belas, singulares e
dotadas de uma vida entusiasta como a alma do autor.”*** O trabalho de Isabel Garcia
está próximo de nós, o seu fazer artístico faz parte do quotidiano e tem em conta que
o artista deverá integrar-se mesmo que seja para separar ou multiplicar, assim é a
origem da exposição Seedland.
Num acto de cumplicidade e como complemento da exposição, Isabel Garcia convidou
o Nuno Godinho para apresentar a peça digital Hyphae. Este vídeo generativo
inspira-se no crescimento de microrganismos de uma forma puramente digital
mediante um algoritmo definido pelo autor. Citando o Nuno Godinho, “desenha
infinitas iterações de organismos únicos inspirados em Rhizopus stolonifer, uma
espécie de bolor de pão, simulando seu processo evolutivo e reprodutivo. Hifas são os
filamentos celulares que criam o micélio, a parte vegetativa de um fungo. Crescem e se
subdividem-se em todas as direções em busca dos nutrientes necessários ao seu
desenvolvimento.”
A exposição Seedland deu sementes que frutificaram no Laboratório de Química
Analítica.
Sofia Marçal
Sementes Azuis e Sementes verdes: Aguarela sobre papel 600g, 75 x 55 cm