ISABELGARCIA

MATRIZ . 2019

Matriz é uma obra orgânica que se repete constantemente numa linha multidimensional. Todavia, ela é selectiva, na medida em que se modifica no espaço-tempo. A artista cria várias linhas que tecem um mapa topológico, cujas formas artísticas o vivenciam no tempo. As obras nascem da dimensão conceptual do rizoma no espaço. As formas projectam-se umas nas outras. Abrem-se caminhos. Geram-se outras formas.
Sobrepõem-se em múltiplas linhas, arquitectando imagens e outros conceitos.

 

Galeria Serpente

 Porto . 2019

Desenhos

de ISABEL GARCIA

Escultura de Parede

VISTA FRONTAL

Objectos

BRONZES

Texto "Matriz"

Texto JOANA CONSIGLIERI

Desenhos

Desenhos: Carvão e Grafite sobre papel Fabiano 300g |  170x70 cm

Escultura de Parede

Escultura de Parede: Peça concebida por Isabel Garcia e executada por Filipa M Dias | Papel de óleo e bronze

Vista Parcial da Exposição | Pormenor de Objeto em Bronze com papel de óleo - Dimensões variáveis

Matriz

«A rhizome may be broken, shattered at a given
spot, but it will start up again on of its old lines, or
on new lines».

Deleuze & Guattari, 2003


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Segundo Deleuze e Guattari (2003), existe uma ruptura no rizoma quando as linhas segmentares explodem para uma linha de fuga. Porém, esta linha de fuga faz parte do rizoma. Ela retorna sempre às outras, e cada uma sai da outra, cujo movimento imperceptível se revela na exposição Matriz, de Isabel Garcia.

Matriz é uma obra orgânica que se repete constantemente numa linha multidimensional. Todavia, ela é selectiva, na medida em que se modifica no espaço-tempo. A
artista cria várias linhas que tecem um mapa topológico, cujas formas artísticas o vivenciam no tempo. As obras nascem da dimensão conceptual do rizoma no espaço. As formas projectam-se umas nas outras. Abrem-se caminhos. Geram-se outras formas. Sobrepõem-se em múltiplas linhas, arquitectando imagens e outros conceitos.

Esta experiência conceptual do processo de criação, que a artista traça, expressa-se pelo corte, em somar e em dividir, no côncavo e no convexo, bem como na dicotomia das matérias polidas e rugosas. Elas ganham vida. Transmutam-se noutras linguagens. Passam da escultura para o desenho, do volume para a linha, onde entrançam na dimensão orgânica, sentindo o espaço-tempo. 

A artista constrói um sistema que se divide e se multiplica, e que se volta a somar, de modo a acentuar a impossibilidade de o ser humano captar o todo. Cada obra emerge dessa trama de incapacidade que o ser humano, porventura, gostaria de poder abarcar na sua vida quotidiana.

Assim, a artista relembra a importância do valor do efémero na contemporaneidade. Valorizando o subtil e a essência no ser humano, levanta à discussão a infinitude do
espectador, devolvendo-o à sensibilidade da existência do ser através do «objecto-pão».

Na obra Caverna, questiona a própria natureza da arte, cujo pensamento tautológico redescobre e destrói a tradição barroca da vanitas, na medida em que a desfragmenta para dar lugar a um outro desígnio, cuja metáfora se multiplica no presente. Ela ramifica-se no pensamento que se dobra entre si, de forma que a obra de arte seja estruturada conceptualmente por uma teia de linhas que eclodem com a ruptura do rizoma. A artista presenteia-nos com um discurso metafórico que se projecta no infinito, através da beleza e da alegoria. Exprime a tensão na beleza do objecto, revelando-se este como melancólico e dramático.

Percepcionamos a alegoria enquanto fragmentação do objecto através do “corte”, que vem acentuar a incorporalidade da obra. Desta forma, o espectador é encaminhado para uma outra leitura, o que nos leva a contemplar o poeta barroco Gregório de Matos (1633-1695):

          O todo sem a parte não é todo;
          A parte sem o todo não é parte;
          Mas se a parte o faz todo sendo parte,
          Não se diga que é parte, sendo todo.

Através da parte do objecto, surgem as duas faces aparentes. Em contraponto com a superfície exterior bruta e rugosa, que se encontra sombria, vislumbramos um interior polido e brilhante, que emana luz. A essência de todos os seres, numa dicotomia entre a sombra e a luz. Os objectos materializam-se em outros seres. Todavia, a artista abre outras possibilidades de leitura, a de que o interior nem sempre se apresenta com luz. Nesta relação entre as partes e o todo, a obra deixa de ter centro por se dividir em múltiplas fracções no espaço-tempo.

Neste sentido, na obra Fragmentos, a expressão do objecto é descontextualizada na sua origem. A artista oculta o significado do que entende actualmente por natureza-morta. Sentimos ser quase um espelho de outra realidade, que desconstrói o conceito dos objectos, de modo a viverem no ambiente, in situ. Cria, assim, uma aparente tensão caótica, como se eles fossem extraídos de uma narrativa absurda, evidenciando a fragilidade da vida, relembrando o valor da base da alimentação.

Caverna e Fragmentos assumem esta expressão universal, numa descoberta da retórica cultural. O objecto sublima a metáfora como um simbolismo contemporâneo. A
infinitude do desdobramento, através de inúmeras fracções. Neste sentido, a artista apela à desconstrução formal da tradição barroca, não por se apresentar na obra, mas pelo seu sistema de pensamento.

Isabel Garcia multiplica, divide e junta os objectos. Translada-os da escultura para o desenho. Em Colunas, o gesto reproduz-se, sobrepondo-se como corpos desfragmentados em múltiplos estilhaços no espaço-tempo. Da massa e do volume dos corpos-objectos, surgem a estrutura das linhas, que revelam a essência e a matéria. Cada desenho esboça a repetição e a sua transparência. Assim, cada um apresenta a sua matriz, de forma a incutir a repetição, mas selectiva. Cada um deles manifesta-se na diferença, tanto na matéria quanto na essência. A artista desintegra o ser através da frottage, exterioriza a sua infinitude. Deste modo, contemplamos os desenhos Coluna-nuvem, Coluna-vulcão, Coluna-deitada, Coluna-partida ou Coluna-Axis-mundi.

Ao longo da sua obra plástica, Isabel Garcia articula a complexidade deste discurso estético-fragmentado para expressar várias linhas de acção. Continua a explorar e a
restabelecer o vínculo da fragilidade do ser humano com a materialidade orgânica dos seres, que, no entanto, se apresentam divergentes. A artista recorre à impossibilidade de o espectador não conseguir encerrar o discurso poético da sua obra de arte, mas enaltece a alegoria contemporânea. Por isso, o observador experimenta um sentimento de inquietação, onde as imagens repartem para o infinito, convocando-nos para a outra face da alegoria, Sopro. Esta peça, de Isabel Garcia com a colaboração de Filipa Dias, explode no espaço e através dela percepcionamos a desconcertante sensação de um corpo-objecto, respirar. O ser vive. Entre o bronze e o papel translúcido, sentimos o pulsar da obra, numa expansão para o infinito. Remete-nos para o indizível, cujo análogo sentimento nos projecta para o poeta Rainer Maria Rilke (1875-1926):

          Breath, you invisible poem!
          Pure, continuous exchange
          with all that is, flow and counterflow
          where rhythmically I come to be.

          Each time a wave that occurs just once
          in a sea I discover I am
          You, innermost of oceans,
          you, infinitude of space.

A infinitude do espaço, que descobrimos nas peças de Isabel Garcia, rapidamente encontra outro desígnio. O efémero e a multiplicação caótica ilustram a beleza da multidimensão-matemática, por gradualmente se transmutarem no tempo.

A partir da Matriz, de Isabel Garcia, Nuno Godinho concebe um “sistema na dimensão-matemática”, patente no «vídeo generativo», intitulado Rhizopus. Nele são criados vários seres, que florescem caoticamente a partir do conceito do «objecto-pão» bolorento. Nascem, crescem e morrem, num estado indefinido do ser. Multiplicam-se consoante a sua matriz. Desenvolvem-se independentemente, com livre arbítrio. São seres orgânicos virtuais, num estado múltiplo de probabilidade de transmutação. Vivem no indefinido entre a sombra e a luz, cujos seres naturais evoluem num sistema virtual e natural. Diluem-se uns nos outros, transformam a sua identidade em infinitas linhas que se cruzam e se sobrepõem. Retornam, desta forma, ao rizoma.

Joana Consiglieri
Lisboa, fevereiro de 2019