ISABELGARCIA

GREENHOUSES . 2022

Através de Semear os quatro cantos do mundo, Isabel Garcia expressa a finitude do ser, num espaço quadrado. Na Galeria Diferença, a obra plástica gera novas leituras. O espaço torna-se num “templo” de ideias. O lugar na transmutação do ser, numa jornada para o infinito. O espectador liberta-se da sua finitude ao imergir no abismo sem fim.

 

Galeria Diferença

Abril 2022

Instalação 

de GREENHOUSES

Pormenor

GREENHOUSES

Preocupações de uma semeadora ...

Texto por Filomena Serra

Desenhos

GREENHOUSES

Semear os Quatro Cantos do Mundo

Texto por Joana Consiglieri

Instalação Greenhouses

Instalação Greenhouses: Objetos em bronze polido e pintado, dimensões variáveis | Desenhos: Grafite e carvão sobre papel Fabriano artístico 300g

Desenhos Grafite e carvão sobre papel Fabriano artístico 300g

Sementes Objetos em bronze

Preocupações (de uma semeadora) a pensar no tempo por vir

Desde os anos 80 e 90, em exposições recentes como “Matriz” (Galeria Serpente, 2019), “Seed” (Galeria Arte Periférica, 2020) ou “Seedland” (Laboratório do Museu de História Natural, 2021), que Isabel Garcia aprofunda coerentemente linhas de pesquisa que exploram diversas linguagens e ideias interligadas que interrogam os princípios geradores da vida, senão mesmo o habitar do mundo contemporâneo nas suas várias dimensões sociais e políticas. Estas linhas de investigação que descrevi não são separáveis dos materiais e médiuns artísticos, como indica a instalação na Galeria Diferença, pois a artista vem alargando, cada vez mais os seus interesses a outros campos como o vídeo, a fotografia ou os livros de artista..

Uma das principais linhas da sua pesquisa é a ideia de “matriz”, mobilizadora do seu processo e prática artística, princípio esse que associa às tensões da vida do mundo humano, animal e vegetal, explorando-as através de oposições ou complementaridades entre conteúdo e forma, o dentro e o fora, o natural e o artificial, o orgânico e o inorgânico. Com efeito, os seus pequenos objectos-esculturas em bronze, polidos, patinados ou pintados de intenso pigmento azul ultramarino, depois de cortados e separados em partes, ou em fatias (como os pães), vêm a servir de diálogo entre médiuns cujas formas obtidas, desdobrando-se ou multiplicando-se, se configuram em novas sementes de desenhos-frottages. Em grafite ou carvão e mesmo em aguarelas, eles evocam e representam sementes, raízes, ambientes líquidos, abrigos ou habitações.

Porém, o que interessa assinalar nestes trabalhos actuais de colunas de água, tornados e tufões que arrastam sementes com matrizes “caídas do céu” espalhadas pelo chão, são como já acima referi, os seus significados impregnados por preocupações existenciais contemporâneas. Neste sentido, a artista volta de novo à referência das “green houses” que já imaginara na Bienal de Escultura e Desenho das Caldas da Rainha (1993).

A “green house” encenada no espaço da galeria é uma estrutura que permite repensar a protecção de seres vivos como sementes e plantas. Interessante é lembrar, por isso mesmo, a história do seu uso na Europa desde o século XVII e da sua evolução. Elas deram origem à arte e à ciência da jardinagem a qual, enquanto prática, aponta para uma adaptação às condições locais de modo a ajudar, entre outras coisas, à multiplicação de sementes e de plantas.

É com base nestas ideias que me parece que Isabel Garcia privilegia um tempo por virou a ideia de invenção de uma outra realidade, talvez utópica, mas indicando o futuro no contemporâneo. Isto é, ao evocar o caos primordial – o dos desastres naturais que hoje nos assolam –, a artista parece dizer-nos que eles só podem ser vencidos se criarmos arquivos de sementes, a salvo de violências e destruições. São essas “greenhouses” que urge potenciar. Em suma, locais onde poderemos guardar patrimónios vivos criadores de vida. 

Filomena Serra
29 de Março de 2022

Desenhos

Desenhos: Grafite e carvão sobre papel Fabriano artístico 300g, 215 x 70 cm

Semear os quatro cantos do mundo

The winged seeds, where they lie cold and low,
Each like a corpse within its grave, until
Thine azure sister of the Spring shall blow

In Ode to the West Wind de Shelley


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Através de Semear os quatro cantos do mundo, Isabel Garcia expressa a finitude do ser, num espaço quadrado. Na Galeria Diferença, a obra plástica gera novas leituras. O espaço torna-se num “templo” de ideias. O lugar na transmutação do ser, numa jornada para o infinito. O espectador liberta-se da sua finitude ao imergir no abismo sem fim.

Isabel Garcia evidencia a dicotomia da passagem, evocando constantemente a impossibilidade do espectador em conseguir encerrar, no seu discurso estético, a experiência do caminho da vertigem antes da queda. A ascensão depois do abismo. Em cada desenho, espalha-se um gesto repetitivo, cujo movimento avista duas direcções opostas entre si em forma de “colunas”, delineadas pelo movimento como ventos fortes do oeste, sente-se um tufão, ou o prenúncio de uma nortada. O fluxo da energia move-see multiplica-se como um vórtice, que interliga a terra ao céu, em certa medida, transmuta-se no local onde o observador tem a viabilidade de iniciara sua jornada.

Contemplamos, assim, em cada desenho, a deslocação da matriz, a qual encaminha para os dois sentidos, em que o ser tem a possibilidade de os abarcar. Entre o desdobramento de frottage e o da matriz, brotadas múltiplas fracções das formas a infinitude no finito.

Os ínfimos sinais presenteados por Isabel Garcia, que florescem do chão, manifestam-se como princípio da acção, cujo impulso transfigura a artista num “semeador”. Anima o fluxo de linhas e formas através de conexões do espaço-tempo para outras dimensões. No mundo de ideias, de conceitos e de valores, dos quais germinam o princípio de todas as coisas, num local onde tudo se gera

Num espaço fechado, mas, em simultâneo, aparentemente aberto, derivam passagens através dos desenhos, das portas e das janelas. Apresenta-se quântico, induzido por linhas ocultas e “campos de passagem” cujas variações da posição do trajecto alicia a cada viajante. Assim, o observador vivencia uma viagem a partir de um espaço quadrado, cujas probabilidades de se multiplicarem em vários rumos, convida-nos a alcançar o mistério do efeito perpétuo. Ressoa em quatro cantos as palavras de Ralph Waldo Emerson:

          Here about us coils forever
                                    the ancient enigma.
          It is faithful to the cause
                                    whence it bad its origin.
          It is a perpetual effect,
          A great shadow pointing always
                                     to the sun behind us.



Joana Consiglieri
Março de 2022